AS EXPERIÊNCIAS DE AFETO NA INFÂNCIA

19/09/2012 23:09

Anderson da Silva Soares

Introdução

Nas investigações mais relevantes sobre o comportamento humano, na contemporaneidade, tem-se construído valiosas reflexões sobre a importância da afetividade nos primeiros e primordiais anos de nossas vidas e formação. Especificamente correntes da Psicologia (freudianos e reichianos, por exemplo) enfatizam a subjetividade e a qualidade dos afetos para o desenvolvimento psicoemocional sadio. 
Dentre investigações e estudos mais aprofundados vamos encontrar uma diversidade de conceitos em torno da afetividade e suas conotações, apontadas por Araújo (2003, p.153): “Muitas vezes os termos sentimentos, emoções e afetividade são empregados como sinônimos em nossa linguagem cotidiana. Do ponto de vista conceitual, porém, existe um razoável consenso entre os autores que se dedicam a estudar o tema apontando para uma diferenciação entre seus significados e suas funções. A discussão é bastante complicada e, ao mesmo tempo que os diferencia, cada autor tende a adotar sua própria definição sobre o que são sentimentos, o que são emoções e o que é afetividade.”

Nosso histórico sócio-afetivo
Observamos pessoas adultas com imensas dificuldades relacionadas à capacidade de autoafirmação, ao lidar com as emoções e construção de identidade sólida: impotentes afetivos. Com isso, desenvolvem uma precária percepção de si mesmo, transformando-se em cobaias da cultura de massa e de charlatanismos de várias genealogias.
Uma constatação bem clara sobre o tema feita por Capelatto (2007, p.35): “Imaginar que eu fui desejado e fui rejeitado, às vezes faz com que eu me sinta impotente, incompetente para poder suprir aquela pessoa ou o que ela pensava de mim. Muitos filhos rejeitados pelos pais crescem com um sentimento de inferioridade muito grande, um sentimento de desvalor muito grande. Ás vezes isso traz problemas maiores na sexualidade, traz problemas maiores na afetividade; às vezes gera um medo muito grande de nos unirmos a outras pessoas.” 
Autores como Donald Winnicott e Alexander Lowen (discípulo de Wilhelm Reich) afirmam que a pessoa que foi privada de afeto nos anos primordiais (os 5 primeiros anos) transforma-se num adulto repleto de carências, insatisfações e inseguranças, queixando-se sempre de sensações de incompletude. Ainda, o pior dos resultados: sempre achando que os outros lhe devem afeto e atenção, ou seja, a busca (geralmente em atos inconscientes) por algo que não foi vivenciando naturalmente no instante primordial de seu desenvolvimento emocional. 
Este reflexo de nossa formação afetiva (sadia ou precária) é facilmente observado quando, em nossa fase adulta, somos solicitados à autoafirmação em situações de interatividade com o nosso semelhante. 
Nosso histórico emocional é quem nos fornece suporte para termos uma espontânea assertividade, discernimento, autoestima, afeto e coragem no cotidiano; evitando, assim, que sejamos pessoas submissas, autoflageladas, inseguras e vulneráveis à manipulação e dependência em relações em que prevalecem o autoritarismo e a chantagem emocional. Histórico este que pode ser marcado pelo sentimento de rejeição, comprometendo a formação da “identidade psicológica de um indivíduo que baseia-se em seu sentimento de ter uma coluna vertebral e de sentir-se sustentado do interior. O que a ausência do pai produz e que vem a ser, por este mesmo fato, a essência de um complexo paterno negativo, consiste em uma falta de estrutura interna. Um indivíduo que possui um complexo paterno negativo não se sente estruturado em seu próprio interior.”(Corneau, 1989, p. 45)
Citamos um exemplo esclarecedor: as atitudes de uma mulher diante do universo masculino, dos homens que estão ao seu redor. Entendemos que sua autoafirmação com os mesmos apresenta um vínculo direto com a relação de afeto vivenciada com o primeiro homem de sua vida: seu pai. Tal relação (sadia, prazerosa, ausente, traumatizante ou precária) pode ser determinante na construção de sua percepção, autoestima e conduta como mulher adulta, diante dos homens.

Afetividade e memória sensorial
Nossa memória sensorial e afetiva (vivências registradas em nossa subjetividade) nos serve de suporte e recurso para nossos atos. Nossa subjetividade recorre, com toda naturalidade, a todas as nossas vivências (positivas e negativas) e experiências emocionais desde a fase intrauterina; por isto as vivências de afeto na infância podem ser determinantes (levando em conta singularidades genéticas, psíquicas e ambientais); exercendo influência em nossas decisões e ações (conscientes ou inconscientes) cotidianas da vida adulta. 
Ainda sobre a memória sensorial, afirmaVolpi (2001, p.01):  “O corpo sente, aprende, se disciplina, se condiciona e expressa  os conflitos emocionais da mente, corporificados nos tecidos celulares, refletidos na qualidade do tônus muscular, expressões faciais, ritmo respiratório, postura, tom de voz, etc.
Portanto, nosso corpo é moldado de acordo com as experiências vividas, principalmente aquelas ocorridas na primeira infância, quando as formas que encontramos para nos defender ainda são precárias. Esses acontecimentos muitas vezes deixam marcas profundas e irreversíveis.
Portanto, constantemente somos confrontados com dois caminhos: ouvir nosso corpo e deixá-lo falar em seus desejos e expressar suas angústias ou submetê-lo aos estresses físicos e psicológicos diários que a vida nos traz, formando assim as couraças.”
É importante ressaltar que, para uma formação emocional sadia e uma positiva administração dos afetos em nossa infância, dependemos, fundamentalmente, de cuidadores (pais biológicos ou não) sadios e acolhedores, que verdadeiramente se importam com seus filhos, sabendo lidar de forma espontânea, qualitativa e amorosa com esta etapa de desenvolvimento psíquico e emocional dos mesmos (independente de classe social).   
A vivência de relações de afeto trágicas, precárias ou traumatizantes na infância comumente resulta em uma vida adulta infeliz, de difícil administração emocional. Isto influencia decisivamente nossas ações e escolhas (geralmente equivocadas) baseadas no suprimento de carências infantis camufladas. Busca-se o preenchimento de um vazio que perdurará para o resto da vida, podendo apenas ser administrado, no caso de aprendermos a administrarmos nossas carências e mazelas, num processo sadio de autoconhecimento.

Considerações finais
Importante se estimular nos ambientes coletivos e grupos sociais a discussão sobre os afetos, especificamente em escolas por conta da vulnerabilidade de crianças e jovens em formação. A afetividade relacionada as capacidades intra e interpessoais, que tanto podem comprometer positivamente a esperança na geração de uma sociedade mais humanizada. (DANTAS, 1992)
A sociedade autoritária e coisificadora que estimula e produz comportamentos massificados dificulta a afirmação de nossa individualidade. Isto contribui para não estarmos atentos ao nosso histórico pessoal e afetivo, o que nos daria fundamental suporte interno e psíquico. 
A percepção consciente de que somos resultado de experiências e vivências fará com que nos distanciemos de necessidades artificiais, de sermos cobaias frescas do consumismo doentio e da possibilidade de sermos efetivos cultuadores do vazio.

 

Bibliografia

Referências Bibliográficas:
ARAÚJO, U.F. A dimensão afetiva da psique humana e a educação em valores. In: ARANTES, V.A. (Org.). A afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus. 2003.
CAPELATTO, Ivan. Diálogos sobre a afetividade. São Paulo: Papirus. 2007.
CORNEAU, Guy. Pai ausente, filho carente. São Paulo: Editora Brasiliense. 1989. 
DANTAS, Heloysa. A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon. In: DE LA TAILLE, Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. 
VOLPI, José Henrique. Quando o corpo somatiza os conflitos da mente. Disponível em
https://www.libertas.com.br/site/index.php?central=conteudo&idMenu=17&id=3387&perfil=1&idEdicao=0 acessado em 23.09.2011.

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