A PEDAGOGIA DE PROJETOS NA IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA PLURAL

18/12/2012 20:51

ANA LÚCIA AMARAL - FaE/UFMG

 

O propósito deste trabalho é discutir a dificuldade encontrada por professores participantes da implantação de propostas pedagógicas inovadoras no que tange à falsa concepção de dicotomia entre conteúdo e forma. Esses professores têm encontrado dificuldades em conciliar metodologias mais ativas e globalizantes do tipo "pedagogia de projetos" com a aprendizagem formal de conteúdos entendidos como "indispensáveis" à completação de séries ou ciclos. Para esse fim, traremos alguns subsídios teóricos e resultados de pesquisa realizada pelo GAME – Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da UFMG, em escolas da rede municipal de Belo Horizonte, durante o ano de 1999, quando se procurou captar "que escola plural se tornou possível após cinco anos de implantação".

 

A pesquisa, de caráter eminentemente qualitativo, ainda que tenha contemplado a dimensão quantitativa com um Banco de Dados sobre a rede (objetivando traçar um perfil geral da Rede Municipal quanto à sua constituição global, capacidade física, recursos humanos, administrativos, pedagógicos e culturais), contou com a participação de onze pesquisadores e onze auxiliares de pesquisa, distribuídos por todas as nove Regionais. Foram realizados quatro estudos de caso comparativos por Regional (pesquisa semi-etnográfica) e três estudos de caso de natureza etnográfica. Os dados aqui trazidos se referem aos estudos comparativos, trabalhando especificamente a dimensão metodológica do Projeto Escola Plural.

 

A questão da interdisciplinaridade

 

A concepção de projetos escolares está, normalmente, associada à idéia de interdisciplinaridade, um conceito polissêmico. Veiga-Neto identifica, pelo menos, duas acepções de interdisciplinaridade: a primeira, a interação entre duas ou mais disciplinas que se caracteriza "pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas" (Japiassu, 1976, p.74. In: Veiga-Neto, 1994), pressupondo uma conexão disciplinar subordinada a uma axiomática comum; a segunda acepção, que compreende a interdisciplinaridade como uma colaboração ou troca entre disciplinas que manteriam "uma relação de reciprocidade, de mutualidade ou, melhor dizendo, um regime de co-propriedade que iria possibilitar o diálogo entre os interessados" (Fazenda, 1979, p. 39. In Veiga-Neto, 1994).

 

Segundo Veiga-Neto (1994), a literatura pedagógica brasileira vem apresentando um discurso que atribui ao conhecimento disciplinar boa parte dos problemas que advêm de um "mau uso" do saber em geral e, em particular, da Ciência. Segundo ele, esse discurso indicaria o ensino interdisciplinar como forma de superar tais problemas.

 

Não somente a literatura, mas também as propostas pedagógicas mais inovadoras têm enfatizado a aprendizagem ativa, significativa, desencadeada a partir de problemas reais, contextualizados. Há um destaque para a concepção de que o conhecimento fragmentado em disciplinas é artificial e que os saberes escolares são, em última instância, produtos da transposição didática, entendida como a transformação de um conhecimento de referência - savoir de reference- em um conhecimento de ensino - savoir effectivement enseigné (Chevallard, 1985). Essa transposição seria sempre o resultado de decisões arbitrárias que, na maior parte das vezes, estariam privilegiando a cultura burguesa dominante.

 

Como as pedagogias inovadoras de natureza crítica objetivaram o fortalecimento de grupos que lutam por justiça social, é natural que se mobilizassem esforços no sentido de instaurar novas práticas educativas (Santos, 1995), como aconteceu com o Projeto Escola Plural.

 

Os projetos de trabalho

 

O "Método de Projetos" tornou-se conhecido no Brasil, a partir da divulgação do movimento conhecido como "Escola Nova", contrapondo-se aos princípios e métodos da escola tradicional. Esse movimento foi fruto das pesquisas de grandes educadores europeus como Montessori, Decroly, Claparède, Ferrière e outros, e teve, na América do Norte, dois grandes representantes: John Dewey e seu discípulo, William Kilpatrick. Foram estes americanos que criaram o "Método de Projetos" e suas propostas pedagógicas foram introduzidas e disseminadas no Brasil principalmente por Anísio Teixeira e Lourenço Filho (Duarte, 1971).

 

Atualmente, re-interpretado, esse movimento tem fornecido subsídios para uma pedagogia dinâmica, centrada na criatividade e na atividade discentes, numa perspectiva de construção do conhecimento pelos alunos, mais do que na transmissão dos conhecimentos pelo professor. O "Método de Projetos" de Dewey e Kilpatrick, considerado então um "método", passa agora a ser visto mais como uma postura pedagógica. Mais do que uma técnica atraente para transmissão dos conteúdos, como muitos pensam, tem sido proposto como uma mudança na maneira de pensar e repensar a escola e o currículo, a prática pedagógica.

"Significa repensar a escola, seus tempos, seu espaço, sua forma de lidar com os conteúdos das áreas e com o mundo da informação". (MEC/SEAD, 1998).

 

A aprendizagem passa a ser vista como um processo complexo e global, onde teoria e prática não se dissociam, onde o conhecimento da realidade e a intervenção nela tornam-se faces de uma mesma moeda. A aprendizagem é desencadeada a partir de um problema que surge e que conduz à investigação, à busca de informações, à construção de novos conceitos, à seleção de procedimentos adequados.

 

Metodologias tradicionais trabalham os conteúdos escolares de maneira fragmentada, "encaixotando-os" nas caixinhas das disciplinas. Isto conduz a uma organização segmentada de conteúdo e tempo escolares: horário de Matemática, horário de Português, horário de Ciências. De maneira similar, os conhecimentos aportam na mente dos estudantes rotulados pelas disciplinas, e lá se instalam, sem conexão uns com os outros, prontos a serem devolvidos quando os solicita o professor de Geografia, o professor de Matemática, etc. Dimensionar o currículo escolar por projetos de trabalho significa uma ruptura com esse modelo fragmentado de educação. Dewey acreditava que, mais do que uma preparação para a vida, a educação era a própria vida! Na vida, aprendemos uma infinidade de coisas que não vêm embaladas em "caixinhas": caixinha da Matemática, caixinha da Linguagem, caixinha da Geografia, etc. A vida se apresenta a nós na sua totalidade e vamos tomando conhecimento dela, também, globalmente.

 

A rigor, um projeto se supõe desenvolvido por "fases" ou "etapas". Dewey dizia que as fases não devem ser rígidas e devem depender do desenrolar dos trabalhos. Mas, como todo trabalho pedagógico, o projeto deve ser planejado: o planejamento exprime a intencionalidade educativa. Sem que se tornem uma camisa de força, três grandes etapas se delineam para se levar a cabo um projeto pedagógico: a problematização, o desenvolvimento e a conclusão/síntese do projeto.

 

    • A problematização é o momento gerador, detonador do projeto. É quando surge a grande questão ou as questões que serão trabalhadas pelo grupo. Essas questões deverão ser bastante significativas e, sempre que possível, ligar-se a experiências prévias dos alunos (o que já sabemos sobre o assunto?). É bom lembrar que um trabalho com projetos não se limita a um simples estudo de um tema: sua característica principal é a resolução de problemas ligados ao tema ( o que queremos saber e porquê). Mesmo que o professor tenha sugerido o assunto, fazer com que os alunos sejam capazes de problematizá-lo é importante para que eles abracem o projeto como seu, como já foi dito.

       

    • O desenvolvimento é conseqüência natural da primeira fase: surge a necessidade de se planejarem as estratégias mais adequadas para se atingirem os objetivos propostos, buscando as respostas para as questões propostas pelo grupo. Também nesta fase a participação plena dos alunos é fundamental, tanto no planejamento quanto na execução das atividades. Podem ser planejadas e desenvolvidas diferentes estratégias: excursões, entrevistas, debates, pesquisas bibliográficas, pesquisas de campo, entre outras. É a oportunidade para o desenvolvimento dos conhecimentos dos alunos e, sobretudo, de muitas habilidades: intelectuais, sociais, artísticas, psicomotoras, etc. Podem ser desenvolvidas, entre outras, habilidades de: entrevistar pessoas; falar em público; calcular distâncias e/ou índices; ler mapas; desenhar plantas; colecionar espécimes de plantas e/ou pedras e/ou insetos. É também a oportunidade de ampliação e ressignificação do espaço de ensino/aprendizagem que pode se estender à vizinhança, às ruas, aos parques, às praças, às fábricas, aos museus, enfim, à amplitude da comunidade. É muito importante que o professor tenha em mente o desenvolvimento das habilidades de observação e registro por parte dos alunos.

       

    • A síntese/conclusão é o fechamento do projeto e não começa exatamente ao final dele: é prevista e preparada desde o planejamento e prossegue ao longo do desenvolvimento com a previsão, organização e sumarização das informações coletadas. Neste momento, particularmente, tudo é submetido a uma síntese das avaliações realizadas durante o processo. Avaliam-se os conhecimentos adquiridos, os procedimentos utilizados, as atitudes incorporadas. Avalia-se, sobretudo, se as questões levantadas inicialmente foram resolvidas e em que nível. Dependendo da natureza do projeto, nesta fase tornam-se possíveis: a realização de exposições dos materiais coletados, confecção de painéis, dramatizações, ou simples comemorações ou inaugurações festivas (inauguração de uma biblioteca da classe, por exemplo). As questões levantadas inicialmente são analisadas e, muitas vezes, constata-se a necessidade de se ir adiante a partir do levantamento de novos problemas.

       

 

O papel do professor, como deve ter ficado claro, é de fundamental importância no trabalho com projetos: a ele cabe orientar todas as fases do projetos, esclarecendo dúvidas, sugerindo melhores estratégias, procurando a participação de todos, realizando sínteses integradoras. O trabalho com projetos é altamente enriquecedor para toda a escola.

 

Como a Escola Plural vem lidando com os Projetos de Trabalho

 

Ao eleger os projetos de trabalho como uma nova proposta de inovação pedagógica, o Projeto Escola Plural os divulgou como uma intervenção pedagógica globalizante, entendida como mais que um somatório de disciplinas, mais que um lugar de interseção de várias disciplinas (entendido aqui como a visão interdisciplinar) e sim, como um processo de formação, compreendendo não somente o ponto de vista do conteúdo a ser trabalhado, como também do processo de construção do conhecimento, de forma globalizada, pelo aprendiz.

"...essa concepção de globalização parte do princípio de que a aprendizagem não é fruto apenas de uma acumulação de novos conhecimentos aos esquemas de compreensão dos alunos e sim de uma reestruturação desses esquemas, a partir do estabelecimento de relações entre os conhecimentos que já possuem e os novos, com os quais se defronta. Assim, o que se pretende é que os alunos consigam aprender a aprender e a viver, ou seja, consigam ir aprendendo a organizar seus próprios conhecimentos, e estabelecer relações, utilizando-se dos novos conhecimentos para enfrentar novos problemas e atuar no mundo. Dessa maneira, sua aprendizagem vai adquirindo um valor relacional e ativo. Esse processo exige que se ofereça aos alunos experiências de aprendizagens ricas em situações de participação. Não se forma um sujeito participante e autônomo falando sobre autonomia e democracia e sim exercitando-as. (SMED/Escola Plural, 1994).

 

Colocados como um dos pilares do Projeto Escola Plural, os "Projetos de Trabalho" foram, logo de início, interpretados como a ruptura com o conhecimento formal, com a organização curricular. Tal como alguns outros pressupostos do projeto, também este não foi bem entendido e deu origem a alguns preconceitos quanto à proposta que se colocava.

 

Na proposta político-pedagógica da rede municipal, datada de outubro de 1994, está claramente dito que

"o conhecimento escolar é constituído a partir do reconhecimento das questões que são de interesse social e da sua reflexão, tendo como referência o conhecimento cultural acumulado, presente nas disciplinas".

 

Isto torna claro que, em nenhum momento, foi proposto um abandono dos conhecimentos formais. Na proposta é claramente colocado que repensar os conteúdos escolares não significa abandonar as disciplinas curriculares ou apenas aglutinar a elas os temas atuais, mas sim, ressignificá-los. Entretanto, assim como a proposta desencadeou uma adesão entusiasta em algumas escolas da rede, uma adesão parcial em outras e total rejeição por parte de algumas, a adoção da metodologia de projetos também não apresentou, à época da implantação do Projeto, e nem apresenta, ainda, um panorama uniforme. Sua concepção e uso variam de acordo com cada escola, cada turno, cada ciclo, cada "trio" de professores e, até mesmo, de acordo com a cabeça de cada professor.

 

No plano do discurso, enfatiza-se a metodologia e quando interrogados, muitos professores afirmam trabalhar com projetos, embora nos registros oficiais das escolas e nos diários só se encontrem aqueles que têm como temas efemérides ou assuntos em evidência como: dengue, vacinação, violência, Copa do Mundo, etc. E nesses "projetos" há uma preocupação em arrolar os conteúdos de todas as disciplinas no interior dos mesmos, de modo a captar das disciplinas os conteúdos que tenham algum "parentesco" com o tema proposto. Isto se assemelha mais aos Centros de Interesse propostos por Decroly, do que a abordagem globalizadora sugerida por Hernandez e Ventura e que serviu de referência para os Cadernos Pedagógicos da SMED.

 

É bem verdade que a abordagem globalizadora a que se referem Hernandez e Ventura, abraçada pelo Projeto Escola Plural, é mais fácil de se concretizar nas séries iniciais, quando o aprofundamento disciplinar não se fez, ainda, necessário. A própria formação dos professores dessas séries, polivalente, facilita o entendimento de um trabalho mais global. Entretanto, mesmo nessas séries, o que ocorreu foi a perda das referências curriculares e disciplinares, sem a devida utilização da metodologia que deveria, globalmente, coordenar a apreensão dos conteúdos básicos necessários.

 

A proposta pedagógica da rede, ao enfatizar a necessidade do trabalho coletivo e globalizante, numa captação da realidade em sua totalidade, na verdade não quis diminuir a importância dos conteúdos, mas, tão somente, resgatar uma dimensão perdida. Houve uma má interpretação e os projetos foram entendidos como a única maneira de se conduzir o trabalho docente. Quem se preocupava com os "conteúdos" era pejorativamente chamado de "conteudista". O que dá sustentação a afirmações dessa natureza é a falsa idéia da dicotomia existente entre transmissão de conhecimento e construção de conhecimento. Isto obrigou os professores a optar por uma posição ou por outra, conduzindo a um falseamento de posturas: não se ousava dizer que se desenvolvia um trabalho com conteúdos, exceto naquelas escolas que rejeitaram frontalmente o projeto.

 

O problema maior é detectado no 3º ciclo, onde os professores sentem maior dificuldade em perceber que os projetos podem propiciar o desenvolvimento dos conteúdos disciplinares de modo efetivo. Nesse nível, começa a delinear-se com mais clareza a necessidade de clarificação e estruturação dos diferentes campos de saber. A própria formação dos professores (licenciaturas em disciplinas específicas) torna-os muito ciosos dos estatutos disciplinares, dos seus fundamentos epistemológicos e mais refratários a uma abordagem mais globalizadora. O trabalho coletivo, envolvendo professores de diferentes áreas, mesmo que apenas no âmbito da interdisciplinaridade, ainda é um grande desafio. De acordo com Japiassu (1995), o interdisciplinar aparece como um princípio novo de reorganização das disciplinas científicas e de reformulação das estruturas de seu ensino, e provoca atitudes de medo e de recusa, por constituir uma inovação.

 

A percepção dos pesquisadores é a de que existe, entre os professores da rede, uma crença internalizada de que a opção pelos conteúdos é uma traição à proposta plural; isto determina que, mesmo acreditando na importância dos conteúdos, os professores que os trabalham de forma disciplinar não se sentem à vontade para discorrer sobre o assunto.

 

Tudo indica também que os professores da rede sentem que a utilização da metodologia de projetos e a ausência de referências curriculares fazem com que os alunos da Escola Plural fiquem defasados em conteúdo, se comparados a alunos de outras escolas, o que os põe em desigualdades de condições frente a alunos de outras redes, na disputa pelo mercado de trabalho.

 

Existe, também, uma inquietação quanto à excessiva preocupação com a contextualização. Os professores acham que o excesso de contextualização leva ao "espontaneismo", impedindo que os alunos sejam providos dos conteúdos ditos "universais". Trata-se do confronto entre o universalismo e o relativismo (Forquin, 1994).

 

O mais preocupante é a constatação, por parte de um grande número de professores, de que o fato de se deixar que professores (individualmente ou em trios) e alunos tenham total poder de decisão sobre os conteúdos a serem trabalhados faz com que grande parte dos alunos percorram a trajetória escolar, chegando ao final dela sem muitos dos conteúdos entendidos como fundamentais ao desenvolvimento dos três primeiros ciclos. Isto está ligado diretamente à ausência de parâmetros orientadores para cada ciclo: sem saber exatamente que competências perseguir em cada um dos ciclos de formação, básica os professores estariam sendo levados a uma "decision making" particularizada.

 

Retomando questões teóricas à guisa de conclusão

 

No que toca à utilização dos projetos de trabalho, fazem-se necessários estudos mais aprofundados do tema. Projetos de trabalho são uma entre muitas maneiras de se trabalhar os conteúdos escolares, sejam eles de natureza conceitual, procedimental, atitudinal. Sem a pretensão de qualificar como melhores ou piores as diferentes opções metodológicas, acreditamos que os professores devam conhecer os seus fundamentos para a escolha daquelas que melhor se adaptem aos seus próprios objetivos.

 

É desejável eliminar a interpretação errônea, por parte dos professores, de que ficaram impedidos de trabalhar os conteúdos fora da pedagogia de projetos. Especialmente, à medida que os alunos avançam na trajetória escolar, torna-se cada vez mais necessária a intervenção do professor com o propósito de organizar os conceitos adquiridos pelos alunos, de modo a permitir que se construa a estrutura dos diferentes campos de saber. A chamada "construção do conhecimento" não exime o professor de interferir no aprendizado de seus alunos. Vygotsky (Moll, 1996) trabalhou exaustivamente o tema, tratando-o na exploração do conceito de "zona de desenvolvimento proximal". Outros teóricos também discutem a questão da necessidade da interferência do professor para promover a organização, a sumarização e a estruturação dos diferentes campos teóricos.

 

A ausência de parâmetros norteadores tem levado os professores a se pautarem por outras diretrizes tais como os Programas Oficiais do Estado e os PCNs, o que leva a uma grande confusão, pela inadequação dos tempos escolares (seriação, ciclos de dois anos, etc.) destas propostas e a da Escola Plural.

 

Segundo Santos (1995), a Nova Sociologia da Educação trouxe contribuições importantes para se repensar a organização curricular. Entre elas, a idéia de que a escola socializa os estudantes não apenas através do currículo explícito, mas também através do que é transmitido no currículo oculto; e a idéia de que há necessidade de se discutir, além do currículo oculto, o chamado currículo nulo.

 

A idéia de currículo nulo se liga aos conhecimentos ausentes, tanto dos guias curriculares, como da prática da sala de aula. Pode abranger conhecimentos significativos e fundamentais para a compreensão da realidade e atuação crítica (Santos, 1995). Possivelmente sem conhecer essa importante referência teórica, a preocupação dos professores da rede vem ao encontro desse construto: não estariam os seus alunos, oriundos sobretudo das classes populares, sujeitos a situações peculiares que determinariam a construção de um currículo particularizado? Isso não os poria em situação inferiorizada na disputa no mercado de trabalho? Não seria aconselhável a criação de diretrizes norteadoras para a rede?

 

A concepção pedagógica de ciclos implica referências que deveriam nortear o trabalho dos professores, ao invés de deixá-los à deriva, impedindo-os de tomar decisões acertadas no que tange ao currículo a ser desenvolvido. Em meio a essas diretrizes, quem sabe um elenco de competências básicas, à maneira de outros povos que adotaram a organização curricular por ciclo, possibilitando uma avaliação em profundidade ao final de cada ciclo? Isto possibitaria que os alunos defasados recebessem tratamento pedagógico adequado, o que lhes permitiria adquirir as competências básicas e indispensáveis para continuarem com êxito a sua trajetória escolar. Desta forma, os professores poderiam encontrar os seus próprios caminhos, atendendo aos interesses imediatos dos alunos e do coletivo escolar, mas, também, à necessidade de colocar ao alcance do educando o patrimônio cultural acumulado pela humanidade, tão ao gosto de Forquin (1993).

 

Desfazendo o mito do antagonismo entre projetos e transmissão de conteúdos, contemplando o trabalho participativo e coletivo, mas também abrindo espaço para sínteses integradoras e até mesmo a exposição (se possível, dialogada), a implantação da proposta estaria caminhando na direção enriquecedora da associação entre uma aprendizagem ativa e significativa e um ensino não espontaneísta, caracterizado pela intencionalidade que define o caráter político da educação (comme il fault).

 

Para terminar, uma frase lapidar, ainda de Japiassu (1995):

 

Não cultivar o gosto pelo "porto seguro" ou pela certeza do sistema, porque nosso conhecimento nasce da dúvida e se alimenta de incertezas"

 

 

BIBLIOGRAFIA

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