Sim, professor pode ser idealista

15/11/2012 09:36

 

A crença no poder transformador da Educação já levou a concepções ingênuas da profissão como heroísmo ou sacerdócio. Mas, num mundo em que cada vez é mais difícil ensinar, o idealismo pode se juntar ao conhecimento pedagógico na atuação docente

Rodrigo Ratier (rodrigo.ratier@fvc.org.br)

 

Como confirmam diversas pesquisas e depoimentos, o idealismo é um traço de personalidade marcante para muitos professores. A pesquisa A Atratividade da Carreira Docente no Brasil,patrocinada pela Fundação Victor Civita (FVC), mostra que a possibilidade de ser um agente da transformação social é um dos fatores principais na escolha da carreira.

Tamanha prevalência conduziu a uma visão irreal da profissão, em que a docência era tratada como um sacerdócio, uma missão. O professor era visto como um herói, a quem cabia enfrentar todas as dificuldades em nome de sua vocação. Felizmente, a profissionalização avançou. Hoje, é consenso que os educadores se diferenciam das demais ocupações por seu saber específico: a capacidade de ensinar, em que o conhecimento didático é a matéria-prima fundamental.

Ocorre que o predomínio dessa visão técnica da docência tem feito com que as aspirações mais nobres da profissão sejam encaradas como sinais de ingenuidade. Professores que afirmam ter o sonho de mudar o mundo são vistos como figuras românticas, meio deslocadas num universo dominado pela racionalidade e por indicadores de eficiência.

Mas respeitáveis especialistas defendem que não deve haver uma oposição entre técnica e idealismo. O pedagogo argentino Juan Carlos Tedesco, ex-diretor do escritório internacional de Educação da Unesco e ex-ministro da Educação de seu país, afirma, no prólogo do livro El Trabajo Docente, que essa separação vem perdendo sentido. Para Tedesco, os ideais relativos ao exercício profissional são cada vez mais necessários ao bom desempenho do educador. 

Por outras palavras, num mundo em que nunca foi tão desafiante ser professor (invasão das tecnologias, questionamentos sobre a legitimidade do educador, aumento da violência etc.), é fundamental incorporar os ideais da docência ao desempenho profissional. O especialista argentino cita alguns exemplos: "A confiança na capacidade de aprendizagem de todos os alunos, independentemente de sua condição social ou pertencimento cultural, o compromisso com a tarefa de ensinar, a responsabilidade pelos resultados, a paixão pelo conhecimento e a não discriminação". 

Entretanto, a realidade não dá indícios dessa incorporação. O que se observa é o movimento inverso, como aponta Emilio Tenti Fanfani também no livro El Trabajo Docente. Ao avaliar professores de quatro países (Argentina, Brasil, Peru e Uruguai), o cientista constatou que a grande maioria (79%) tem alta satisfação com a profissão em si, com os objetivos do trabalho e com os ideais por trás dele. O mesmo não ocorre, no entanto, quando esses docentes avaliam a satisfação segundo o contexto em que se exerce a docência - em que passam a intervir as características da escola, relação com os pais, status financeiro e profissional etc. O percentual, nesse caso, cai para 54%.

Conclusão: os desafios enfrentados pelos educadores no cotidiano escolar têm se chocado com aspirações, qualidades e atitudes pessoais que são benéficas para o trabalho docente. 

Obviamente, não é possível eliminar todas as dificuldades para manter o idealismo – a relação com os pais vai seguir sendo tensa, os alunos continuarão desafiadores, a tecnologia muitas vezes vai ser usada para questionar a autoridade do professor. Mas há coisas que podem e precisam ser mudadas: salários, planos de carreira e formação, para ficar em três características exemplares.

Políticas públicas que priorizem esses aspectos são o melhor caminho para preservar o idealismo do professor. Ter profissionais que acreditam no poder do trabalho que desenvolvem é algo que qualquer empregador almeja. No caso dos professores, essa característica já vem "de fábrica". Se conseguíssemos ao menos não diminuir esse ímpeto, já seria um bom começo.

Da Revista Nova Escola

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